Quem tem medo de gramática?

Quando começamos a estudar um idioma, buscamos basicamente ganhar vocabulário e aprender as regras gramaticais, para conseguir formas as primeiras frases. 

No início, as regras são muito simples, mas depois começam a aparecer as tão temidas exceções e o que era fácil se torna difícil.

Talvez seja este o motivo que leve muitos estudantes a temer a gramática, pelas dificuldades que ela nos traz. Mas de que gramática estamos falando? Você pode estar se perguntando: existem outros tipos de gramática? 

É sobre isso que vou escrever neste artigo. Continue acompanhando para entender um pouco mais sobre os tipos de gramática e sobre como um desses tipos pode nos ajudar a falar melhor uma nova língua.

A primeira atitude a tomar é desassociar o medo da gramática e compreender que ela não está relacionada apenas à escrita. É possível aproveitar as suas regras para melhorar nossa oralidade, sem parecer pedante e sem precisar utilizar colocações pronominais como a mesóclise.

1. Os tipos de gramática

Antes de continuarmos, vamos ver os três tipos básicos de gramática. Os dois mais conhecidos são a normativa e a descritiva. A normativa é aquela que já conhecemos muito bem da escola, que tenta nos mostrar como devemos falar, isto é, ditar normas sobre a nossa expressão. 

É óbvio que há muitas críticas sobre esta tentativa frustrada de dominar o idioma, mas é importante deixar claro que esse tipo de gramática teve um papel fundamental no estudo de idiomas. Provavelmente, algumas línguas talvez nem tivessem se desenvolvido sem este tipo de trabalho. É preciso um padrão para que todos os falantes possam se entender, caso contrário, cada um falaria a seu modo.

“Mas não é isso que acontece? Cada um fala à sua maneira, não é verdade?” Sim, você tem razão. As variações linguísticas são inúmeras, ainda mais em um país enorme como o Brasil. Apesar disso, um brasileiro do Sul pode entender bem o outro do Norte, porque eles estão falando o mesmo idioma. 

Foi pensando nessas variações e nessas peculiaridades que surgiu uma gramática diferente, que não busca estabelecer norma alguma. Esta gramática observa a língua como ela é a descreve. Nada mais do que isso. Daí o nome descritiva. Interessante, não é?

Há, ainda, um terceiro tipo de gramática. E é esta que eu desejo explorar neste artigo: a gramática internalizada. Ela possui vários nomes, mas acredito que este último caiu muito bem, pois é exatamente disso que se trata. 

Cada falante do idioma possui uma gramática internalizada, que vai aprendendo em seu dia a dia, com sua família, com sua comunidade. Não é preciso ir à escola e nem muito menos abrir uma gramática, seja ela normativa ou descritiva.

Uma criança, quando começa a aprender a falar, ainda não foi à escola e ainda não sabe ler. Mesmo assim, constrói frases simples, baseadas nos exemplos que ouviu e nas suas experiências de tentativa e erro.

Os erros são naturais. Quando ela percebe que não está sendo entendida, muda a ordem das palavras, muda a palavra, fica muda, mas se comunica. É nesse jogo que vai se formando uma gramática interna, com regras flexíveis e mutáveis.

Falando de forma mais abrangente, se cada falante possui uma gramática internalizada, podemos supor que exista uma gramática internalizada para cada idioma, um conjunto de frases que nos demonstrem a sua estrutura e as suas características.

Vamos ver como ela pode nos ser útil?

2. A utilidade

Estou escrevendo e você está lendo, mas tenha em mente que, a partir de agora, não estou falando de escrita, mas de fala. Exatamente, a gramática – não aquela que pedia para você determinar a classificação de uma oração subordinada na escola – pode servir para desenvolver a nossa expressão oral!

Como já disse anteriormente, a gramática internalizada revela muito da estrutura da língua. E, a partir de uma única estrutura, é possível formar diversas novas frases. Vou mostrar a importância da gramática a partir de uma expressão bem básica: Eu gosto de chocolate. 

Eu sei, esta é uma expressão simples, mas ela envolve alguns conceitos gramaticais importantes. No entanto, não vou me alongar nos conceitos. Vou apenas explicitar a estrutura da frase e, aproveitar o momento, para mostrar como a mesma frase funciona em outros seis idiomas.

3. O exemplo

[PT] Eu gosto de chocolate.

Fácil, não é? Mas, imagine: como explicar esse “de” a um estrangeiro? É um conceito chamado regência verbal. Rei de quê? Mesmo dominando esta regra, ainda não seríamos capazes de explicar a necessidade desse elemento estranho a tantas línguas e tão comum para os falantes do português.

[EN] I like chocolate.

Em inglês, a frase é mais direta, não necessita de “de” algum. Essa é uma dificuldade para quem está aprendendo inglês agora. Sem compreender que a gramática do inglês é diferente do português, isto é, sem entender que as estruturas são diferentes, muitos iniciantes buscam traduzir a preposição e acabam dizendo erroneamente “I like of chocolate”.

[DE] Ich mag Schokolade.

O alemão segue a mesma estrutura do inglês, bem direto, sem nenhum elemento atrapalhando a harmonia da frase. São os três elementos essenciais e pronto.

[FR] J’aime le chocolat. 

Esta frase também parece ser direta, mas o francês não podia simplificar tanto assim, não é? Em vez de usar o “de”, eu uso o “le”. Quem estuda francês como segunda língua tende a colocar o “de” na frente do “aime”, por influência do português; e quem já estudou inglês antes tenta omitir o “le”. Mas é preciso entender que a estrutura do francês é diferente dos outros dois idiomas e exige esse artigo “le”.

[IT] Mi piace il cioccolato.

Estava indo tudo bem demais… No italiano, o verbo piacere tem uma utilização um tanto especial. Há várias possibilidades, mas ficaremos apenas com esta aqui, a estrutura mais comum. Lembra do artigo “le” do francês? O italiano também usa (il). Além disso, conjuga o verbo de uma forma um tanto diferente dos outros exemplos que vimos. 

Um aluno, certa vez, interrompeu minha aula e disse: “Professor, não é tão diferente do português! Podemos dizer, sem problemas, ‘O chocolate me praz’ ”. Eu respondi, perguntando à turma: “Alguém entendeu?” Silêncio… “É… parece que não é tão igual assim.” E continuamos a aula…

[ES] Me gusta el chocolate.

O espanhol possui uma estrutura bem similar a do italiano. Essas coincidências facilitam muito a aprendizagem de um novo idioma. Quando a estrutura é semelhante, basta adquirir o vocabulário necessário para fazer a mesma frase. E, assim como no italiano, quando desejo colocar o “chocolate” no plural, devo mudar também o verbo: “Me gustán los chocolates.”

[JP] Watashi wa chokoreto ga suki desu.

E agora chegamos em um campo em que não há coincidências. O japonês é um idioma que se estrutura basicamente através de partículas, que marcam as funções dos elementos da frase. 

Quando  eu digo que gosto de algo, devo usar o “ga”; e, para marcar quem gosta, uso o “wa”. Difícil perceber, mas o “gostar” está no final da frase “suki desu”. Na verdade, ele nem é exatamente o nosso “gostar”, seria algo como “é gostável”. Estranho, não é? Mas é assim que o japonês se estrutura.

4. Conclusão

Para fechar o artigo com uma definição de gramática, diria que ela é o conjunto de estruturas que cada língua possui e que permite a formação de um padrão para que todos os seus falantes possam se compreender, apesar das variações existentes.

Cada língua possui uma forma diferente de expressar uma mesma ideia e compreendê-las é essencial para todos os estudantes de idiomas. Não se deve questionar o porquê de determinada forma, mas apenas aceitá-la e utilizá-la.

As variações que fizemos com a frase “Eu gosto de chocolate” demonstra bem essas diferenças e semelhanças entre os idiomas. Pensando dessa forma para outras frases e aplicando essa mesma ideia para outros idiomas, é possível formar um bom repertório de estruturas e melhorar bastante a oralidade.

Se você deseja conhecer melhor a gramática do francês, do inglês, do espanhol e do alemão, acesse o nosso site e conheça os nossos cursos.
5 formas de estudar idiomas todos os dias

5 dicas para estudar um idioma todos os dias

Não estou dizendo que você deveria abrir um livro e estudar três ou quatro horas por dia, acredito que isso não seja possível para todos. O que quero deixar claro é a importância do contato diário, da prática diária. Você pode estudar, por exemplo, ouvindo uma música ou assistindo a um anime (link do artigo), fazendo algo que te interessa naquele idioma. Em meus estudos de alemão, tento ler ao menos uma frase por dia, para manter um contato mínimo com a língua, mesmo quando não tenho tempo para abrir um livro.

E foi assim que aprendi o francês. Ingressei no curso de Letras – Francês conhecendo muito pouco do idioma – o suficiente para passar no vestibular – e fui assimilando a língua aos poucos. Sempre gostei de poesia, de literatura e de versões de músicas brasileiras em outras línguas. Parti desse meu interesse para atingir o domínio da língua. Claro, não foi apenas ouvir a música ou ler o poema, mas a curiosidade que eles me instigavam: via uma estrutura diferente e ia pesquisar na internet como utilizá-la, lia uma palavra nova e buscava seu significado, estudava gramática e aumentava o vocabulário sem perceber.

Já que nem todo mundo tem os mesmos interesses, resolvi escrever sobre 6 formas de se estudar diariamente, de manter esse contato diário com o seu objeto de estudo. Pouco importa qual seja o idioma, você vai perceber que essas dicas funcionam para quase todos eles:

  1. Alterando o idioma dos dispositivos
  2. Estudando uma música
  3. Ouvindo um podcast
  4. Lendo um poema
  5. Acessando o site tatoeba

Vamos começar?

1. Alterando o idioma dos dispositivos

Que tal mudar o idioma dos dispositivos que você mais usa? É uma forma de manter um contato constante com a língua estudada.

Essa dica é clássica. Pense em algo que você use bastante. Pensou? Se você vive conectado como eu, com certeza foi algo relacionado ao computador ou ao celular. E que tal mudar o idioma dos dispositivos que você mais usa? Tente alterar o idioma do seu Instagram, por exemplo. Admita, você usa bastante essa rede social e não há vergonha nisso. Então, aproveite para estudar um pouco e aumentar o seu vocabulário.

Para aproveitar melhor as redes sociais para praticar um novo idioma, que tal seguir perfis de outros países? Dessa forma, você se diverte com o conteúdo e ainda tem a oportunidade de ouvir ao menos uma língua estrangeira todos os dias. Ontem, por exemplo, me dei conta que, por acaso, tinha consumido conteúdo em inglês, francês, italiano e alemão.

Outro dispositivo que você pode alterar é um software: durante a instalação, alguns perguntam em que idioma você deseja instalar o programa; é só selecionar o idioma que você está estudando e pronto. No entanto, às vezes é preciso baixar o software de um domínio diferente, .fr, .it, ou .jp, por exemplo.

2. Estudando uma música

Há várias formas de se estudar uma música, a mais utilizada é a tradução. Ouvimos uma música da qual gostamos, buscamos a letra e traduzimos. É uma das formas de se adquirir mais vocabulário e expressões, mas não se pode parar por aí. A curiosidade precisa ser maior. Ontem, estava estudando a música “And I love her” (clique para ver a letra) com um aluno. Ele quis saber a tradução e traduzimos a música inteira juntos, fazendo suposições e dando um sentido à letra, tentando compreender a narrativa por trás. Depois dessa primeira fase, exploramos os aspectos gramaticais da música:

Simple present – I give, he gives, she brings
Future – My love will never die
Object pronoun – I love you, I love her
Possessive pronouns – love of mine, a love like ours

E poderia prosseguir abordando outros tópicos, como a formação de advérbios a partir das palavras tenderly e o que fosse surgindo, até explorá-la por completo. É claro que seria massante demais para o aluno e acabei parando por aí. Mas você pode estar se perguntando: mas ainda não domino o idioma que estou estudando e ainda não consigo identificar todos os tópicos gramaticais.

Boa notícia: não é preciso. Você vai selecionar e estudar aqueles que você perceber espontaneamente, aqueles que atiçarem sua curiosidade, o importante é não parar apenas no vocabulário.

Outra forma de estudar um idioma com música é a partir de uma versão de uma música brasileira. Pode ser um trabalho interessante porque você já conhece o ritmo, já sabe do que trata a música e está familiarizado com o vocabulário utilizado.

Uma versão pode ser mais aproximada da canção original ou mais distanciada e é uma das primeiras coisas que buscamos perceber (logo após curtir a música, né? 😉 ). É interessante tentar entender as diferenças entre uma e outra e enxergar as soluções que o tradutor encontrou para expressar aquela ideia, logo aquela que chamou a sua atenção para música.

Eu adoro o Chico Buarque e não me canso de ouvir suas músicas. É tanto que também busco versões em outros idiomas: italiano, francês, inglês, húngaro… rs. Uma das músicas das quais mais gosto é Samba e amor. Minha estrofe favorita é:

No colo da bem-vinda companheira / No corpo do bendito violão / Eu faço samba e amor a noite inteira / Não tenho a quem prestar satisfação. 

Quando vi que era uma versão, fiquei pensando… Como ele manteve essa rima? E eis que ele teve que mudar um pouco a letra para manter a rima em italiano:

In braccio alla compagna di una sera / E con la mia chitarra accanto a me / Io faccio samba e amor la notte intera / Perché dovrei pentirmene, perché?

Percebeu? Então, são esses elementos que vamos buscar na música. Você não precisa ir tão longe se não entender de rimas e etc, basta comparar as duas versões e ver como elas foram traduzidas. É uma experiência extremamente rica, que vai aumentar seu vocabulário e, de quebra, sua sensibilidade. Fique agora com a música Samba e amore, na voz de uma cantora de jazz italiana, Susanna Stivali:

Ouvir música também é um grande prazer. Aproveite os momentos de ócio para ouvir músicas no idioma que está estudando, ouça sem compromisso, apenas para se acostumar aos sons da nova língua. Baixe músicas no seu ritmo favorito e curta-as, simplesmente! Eu mesmo tenho uma boa seleção de músicas estrangeiras no spotify. Sempre que estou sem fazer nada, busco relaxar ouvindo minha seleção.

3. Ouvindo um podcast

Não sei você, mas eu vivo com fones de ouvido por aí: na academia, no supermercado, no trabalho… Quando estou trabalhando, gosto geralmente de ouvir alguma música que me inspire. Mas, quando estou na academia ou no supermercado, por exemplo, meu ritual é curtir um podcast. Assim como faço com os perfis do Instagram, ouço podcasts em vários idiomas.

Sabem, percebo que nossos gostos e habilidades com idiomas podem variar bastante. Por isso, estou aqui para compartilhar algumas sugestões de podcasts que são tanto educativos quanto envolventes, perfeitos para quem quer mergulhar em um novo idioma, seja no nível básico ou avançado:

a. Inglês – ESL Podcast
b. Francês – RFI Français facile
c. Espanhol – Hoy hablamos
d. Alemão – Slow German
e. Italiano – News in slow Italian

4. Lendo um poema

O poema geralmente é um texto curto, com ritmo, rimas, jogo de palavras, podendo ser facilmente memorizado.

“Que loucura é essa? Eu nem gosto de poesia.” Entendo… Realmente, não é todo mundo que gosta, mas há várias razões para se estudar um poema e esse já foi tema, inclusive, de uma palestra minha: o poema é um texto curto, com ritmo, rimas, jogo de palavras e que pode ser facilmente memorizado.

Quando estudava francês, me dedicava muito a estudar poemas e, algumas vezes, memorizava-os. A memorização é uma técnica um tanto desprezada, hoje em dia. E é realmente uma pena, porque todo o nosso conhecimento passa primeiramente pela memória. Aliás, essas palavras que estou escrevendo aqui estão todas em minha memória. E é para lá que vão as novas palavras que você está aprendendo agora.

Um dos meus poemas preferidos em francês é de Rimbaud. O poema se chama Sensation e devo dizer que foi ele que me despertou para o futuro simples em francês. Quem já estuda este idioma, sabe que é um tempo até tranquilo de se aprender, mas que é necessário um pouco de prática. A memorização deste poema me fez fixar este tempo verbal.

Tenho um amigo que dizia que os poemas são como amuletos, para você carregar com você e, de certa forma, acredito nisso. E esses amuletos podem ajudar você a aprender ainda mais. Espere o próximo artigo para entender como.

5. Acessando o site tatoeba

O tatoeba é um site multilíngue. Mais do que isso: é um dicionário de frases! Você pode selecionar o idioma de origem e o idioma alvo, apenas o idioma de origem ou apenas o idioma alvo. Por exemplo, quero ler frases em inglês, mas pouco me importa o idioma da tradução, deixo o campo do idioma alvo livre, digito a palavra “now” (um exemplo) e clico na lupa. Pronto, as frases vão aparecer, todas contendo a palavra “now” e nos mais diversos idiomas. Algumas frases indicam que possuem som. Elas são ideais para quem deseja praticar a pronúncia.

Além dessa busca, há um recurso do qual gosto muito: a sentença aleatória. Às vezes, fico brincando só nessa seção, lendo as frases dos idiomas que conheço, dos idiomas que estou estudando e imaginando a pronúncia das mesmas frases em húngaro, tcheco, polonês, finlandês, etc. É bem divertido.

Resumindo, é possível ter um contato diário com o idioma de várias formas: por meio de músicas, séries, poemas, sites multilíngues e podcasts. Qual é a sua forma favorita de estudos?

Quer aprender um novo idioma e não sabe por onde começar? O que acha de estudar com a gente? Ensinamos francês, inglês, espanhol e alemão.

7 motivos para se aprender idiomas com poemas

Você pode estar pensando: “Mas eu nem gosto de poesia…” Eu entendo, não é todo mundo que gosta, mas continue a ler o artigo e você entenderá o porquê da minha indicação.

Meus alunos dizem que eu não posso servir como base para dar esse tipo de sugestão, porque adoro poemas e aprendo muito com eles, mas há diversas razões para se estudar um poema, mesmo que você não goste de poesia. Garanto que você vai se surpreender. Neste artigo, resolvi revelar os 7 motivos que eu considero mais importantes. E ainda tenho um pequeno presente para quem ler o texto até o final: surpresa.

1. O poema é um texto curto

Um poema é, geralmente, um texto curto, mas que carrega muitas vezes um significado extremamente amplo e profundo. Por ser curto, o seu estudo é rápido. Nem sempre é fácil, mas é rápido. E é ainda mais rápido se não nos retermos em seus significados mais profundos e analisarmos tão somente o seu vocabulário e a sua estrutura gramatical. Sei que é perder um pouco de foco no poema, mas nosso objetivo não é nos tornarmos críticos literários, mas estudarmos idiomas a partir da poesia.

Há um poeta italiano de quem gosto muito chamado Ungaretti (clique no link para saber mais sobre sua vida), que morou no Brasil e ensinou literatura na USP. Sua história é fascinante e sua obra, incrível. Ele lutou nas duas grandes guerras, aderiu ao fascimo, fugiu dele e essas expriências o influenciaram bastante, o que lhe fez escrever poemas sobre a morte e também sobre a vida! Imagine o que é ver o Sol raiar mais vez enquanto luta-se uma guerra ou o quanto isso se torna importante depois dela, para quem já viu tanta destruição.

Esse poema é composto apenas de duas linhas e praticamente apenas três palavras. Há diversas interpretações para ele, a mais comum é o prazer de ver uma nova manhã surgir e como aquela manhã lhe dá energia para viver. Como já disse antes, é muito interessante divagar sobre o poema, mas esse não será o nosso objetivo ao estudá-los, vamos focar no idioma:

Mattina, di Giuseppe Ungaretti

Mattina,
M’illumino d’immenso

E é só. Fácil de memorizar, não é? Ainda temos alguns elementos linguísticos importantes: mattina, manhã – um período do dia; m’illumino, ilumino-me – pronome objeto apostrofado + conjugação de um verbo regular no presente do indicativo; d’immenso, de imensidão – preposição di apostrofada + vocabulário. Além disso, o ritmo do poema com três palavras com letras duplas, permite praticar bem a pronúncia. Viu quanta coisa em apenas duas linhas? É claro que você não precisa enxergar tudo isso logo de cara, vai analisando devagar, descobrindo aos poucos.

Nosso objetivo não é nos tornarmos críticos literários, mas estudarmos idiomas a partir da poesia.

Há poemas e letras de músicas que eu descubro constantemente. Em japonês, há um gênero literário impressionante que se chama haikai ou haiku. Já ouviu falar? São poemas curtos, de três linhas e dezessete sílabas, apenas. Nessas três linhas, encontramos muita beleza e muita profundidade. E também, como é de se esperar, muito conteúdo linguístico a ser estudado.

Os haikai clássicos versam sobre a natureza e sobre os fatos banais do mundo. Geralmente, precisamos ler mais de uma vez para entender. Mas, como é tão curto, a sua leitura não dá tanto trabalho, é possível lê-lo diversas vezes sem perder muito tempo. Esse tempo curto é importante, porque nos permite praticar diariamente, nos permite estar sempre em contato com o idioma. Afinal, quem aqui não tem tempo de ler algumas linhas por dia?

Antes de minha viagem ao Japão, eu lia haikai e tentava entendê-los a partir dos meus estudos sobre a cultura japonesa e a partir de pinturas clássicas. Eu até que conseguia imaginar os cenários em que os poetas tinham estado e tudo o mais, mas nada melhor do que estar lá e poder registrar o que você viu e associar ao que já estudou. Leia esse pequeno poema de Basho sobre a primavera e veja a foto. Incrível, não é?

春なれや
名もなき山の
薄霞芭蕉

haru nare ya
na mo naki yama no
asagasumi

Já é primavera —
Uma colina sem nome
Sob a névoa da manhã.

Bashô

Preciso falar alguma coisa sobre elementos linguísticos nesse poema? Só o estudo dos kanji já estaria de bom tamanho: 春 – primavera; 山 – montanha; 名 – nome. Esses são os mais simples, para quem está começando como eu, mas é claro que há outros mais complexos. Além disso, ainda podemos ver a partícula の, indicando posse. Quando estudei esse poema pela primeira vez, não conhecia o termo 薄霞芭蕉, mas depois descobri que são daquelas palavras um tanto intraduzíveis, que se refere simplesmente à névoa da manhã.

São vários elementos que até um iniciante como eu pode identificar. E esse é o objetivo, ver na prática o que já se sabe e, é claro, buscar o que há de novidade: vocabulário e estrutura gramatical. Caso consiga uma análise mais detalhada do que a minha – e provavelmente conseguirá, fique à vontade para postar nos comentários. 😉

Resumindo o primeiro motivo: a brevidade do poema nos permite uma leitura diária e nos traz elementos linguísticos novos e já conhecidos.

2. Como é um texto curto, você pode memorizá-lo facilmente

E quais seriam as vantagens de se memorizar um texto? Primeira vantagem: tudo o que aprendemos passa pela nossa memória. Esse papo de que não temos que memorizar, mas que aprender, é balela. Para aprender algo, precisamos memorizar e não temos escapatória. Todas as palavras que utilizamos em nosso dia a dia, seja em que idioma for, estão registradas em nossa memória (leia este artigo que escrevi sobre como memorizar melhor).

Tendo memorizado um poema, aquele vocabulário e aquelas estruturas vão se internalizando e você vai aprendendo mais rápido. Mas não é memorizar por memorizar, como um papagaio o faria. É preciso que você esteja consciente, que você entenda o que está decorando, para poder aprender, para poder começar a usar o que está em sua memória. A aprendizagem de um idioma se dá quando você passa a utilizar aqueles elementos estudados, seja de forma passiva (compreensão) ou ativa (expressão).

Essa é uma diferença importante de entender: nem sempre vamos usar tudo o que aprendemos. E nem precisamos. Há vezes que entender já nos basta. Você, com certeza, não usa todas as palavras que conhece em português,

Nem sempre vamos usar tudo o que aprendemos. E nem precisamos. Há vezes que entender já nos basta. Você, com certeza, não usa todas as palavras que conhece em português. Mesmo em sua língua materna, você opta por utilizar um determinado número de palavras, adaptando-as ao contexto e, é claro, limitado pela sua memória – quantas vezes queremos dizer/escrever uma palavra e a esquecemos? Isso acontece comigo o tempo todo. Então, por que seria diferente em outro idioma?

Outra vantagem: sabe aquela hora em que te dizem: “Fala alguma coisa em japonês”? Que tal surpreender e recitar um poema? Seria hilário e a outra pessoa com certeza ficaria boquiaberta. Ah, além disso, poemas agradam a muitas garotas, é uma ótima ferramenta de conquista! Imagine recitar um poema em francês ou em italiano – línguas consideradas extremamente românticas – assim, de cabeça. Uau!

3. Você pode ler em voz alta para praticar a pronúncia

Não é fácil ler um livro inteiro em voz alta, até mesmo um texto de cinco páginas demanda algum tempo, mas isso é totalmente possível com um poema, seu estudo diário é tranquilo e sua leitura, além de agradável, é breve. Isso facilita bastante a prática da pronúncia. Eu gosto de recitar poemas em voz alta e, recentemente, comecei a gravar alguns. Escute esse poema de Baudelaire, intitulado Enivrez-vous, o meu favorito em francês. É um poema escrito em prosa:

Enivrez-vous, de Charles Baudelaire

Il faut être toujours ivre, tout est là ; c’est l’unique question. Pour ne pas sentir l’horrible fardeau du temps qui brise vos épaules et vous penche vers la terre, il faut vous enivrer sans trêve.

Mais de quoi? De vin, de poésie, ou de vertu à votre guise, mais enivrez-vous!

Et si quelquefois, sur les marches d’un palais, sur l’herbe verte d’un fossé, dans la solitude morne de votre chambre, vous vous réveillez, l’ivresse déjà diminuée ou disparue, demandez au vent, à la vague, à l’étoile, à l’oiseau, à l’horloge; à tout ce qui fuit, à tout ce qui gémit, à tout ce qui roule, à tout ce qui chante, à tout ce qui parle, demandez quelle heure il est. Et le vent, la vague, l’étoile, l’oiseau, l’horloge, vous répondront, il est l’heure de s’enivrer ; pour ne pas être les esclaves martyrisés du temps, enivrez-vous, enivrez-vous sans cesse de vin, de poésie, de vertu, à votre guise.

Você também pode se gravar falando e se comparar com nativos, como eu fiz com o poema anterior, é um excelente exercícios para se avaliar, para ver como anda a sua pronúncia. Há muitos arquivos em áudio disponíveis online, tanto no YouTube quanto em sites que disponibilizam áudio-livros. Falaremos sobre esses sites em um próximo artigo, então, fique ligado em novas atualizações.

4. Você pode descobrir o ritmo da língua

Cada idioma possui um ritmo próprio e a leitura de poemas pode revelá-lo com uma maior facilidade. É claro que, para isso, você precisa ler em voz alta ou ouvir alguém recitando. Considero essa atividade fundamental para quem deseje adquirir um ritmo de fala parecido com a de um nativo. Não vou escrever muito sobre esse tópico. Vou deixar você avaliar alguns vídeos que eu selecionei, com poemas em francês, italiano, inglês e um texto curto de Nietzsche, em alemão:

Tente perceber, neste vídeo – old, but gold – todo o romantismo e melancolia da língua italiana.

Esse não é um bom exemplo generalizado de poemas em língua inglesa, mas as brincadeiras e a leveza de Kerouac, nesses American Haiku, leva o inglês quase ao escrachamento:

Todos sabem que o alemão é forte. Mas você já tinha percebido como ele é melódico? Escute o aforismo Der tolle mensch, de Nietzsche e confira.

Interessante, não é? É algo que você pode fazer sempre. Escutar um poema no seu idioma de estudo para tentar compreender e captar melhor o seu ritmo.

5. Você pode aprender muito vocabulário com um poema

Acredito que os exemplos do começo do artigo já tenham sido suficientes para deixar claro o quanto você pode aprender analisando os elementos linguísticos de um poema. O seu significado profundo pode ser deixado de lado em um primeiro momento caso você queira apenas estudá-lo para aprender mais do idioma. É claro que seus aspectos artísticos e culturais (algumas vezes, até sociais) são de extrema relevância, mas o nosso objetivo aqui é aprender mais e melhor.

No entanto, não posso deixar de abordar esses dois últimos aspectos fundamentais. Caso você não tenha interesse em poesia e queira pular para o final do artigo e baixar o seu presente, não vou me ofender, eu compreendo perfeitamente. De qualquer forma, preciso continuar.

6. Você pode captar muito da cultura de um povo

A poesia é uma expressão artística e toda expressão artística possui íntima relação com a cultura de um povo. Veja as artes japonesas. Apesar de terem uma grande influência da China, os artistas japoneses conseguiram criar algo novo, algo que revela muito da sua cultura. Só de ver uma obra, já é possível dizer se ela é japonesa ou não. Os poemas também são obras de arte, os haiku, por exemplo, pertencem exclusivamente ao Japão. Em apenas três linhas, podemos detectar parte do pensamento de um povo, de sua relação com a natureza e de sua observação da vida.

Os poemas italianos e franceses também possuem características próprias, apesar de serem parecidos, por questões históricas e geográficas. Um movimento que teve muita força na França foi o Iluminismo (tem até um filme sobre parte desse movimento na Dinamarca – O Amante da Rainha. Em dinamarquês: En Kongelig Affaere – veja como se parece com o alemão!) e ele foi um dos propulsores da Revolução Francesa. Voltaire, um dos nomes mais famosos do movimento iluminista, não podia deixar de escrever poemas que representassem seus ideais.

Os beatniks também deixaram sua marca na literatura. Eles representaram um pensamento hipster antes mesmo do movimento hippie tomar a proporção que conhecemos. Sua influência foi imensa na época e muitos ainda admiram a espontaneidade desses escritores. O que mais pode representar tão bem uma parte da cultura americana?

Cada movimento artístico e literário está associado a uma parte da história e cada parte dessa história gerou cultura e essa cultura influenciou o pensamento da época e deixou suas marcas até hoje. Estudar uma obra de arte é estudar cultura, é estar imerso nos motivos que levaram o autor a produzí-la.

7. Você vai se elevar com a beleza de um poema

Nada melhor do que admirar o belo, uma paisagem, uma música, um quadro ou um poema. A arte nos engrandece, não apenas pela cultura que ela nos traz, mas também pela sensibilidade que ela desperta. O poeta viveu uma experiência, a observou e a retratou em algumas linhas, em palavras minuciosamente escolhidas, para tentar transmitir ao leitor, um pouco do que viveu.

Drummond dizia que havia um reino das palavras e que lá estariam os poemas a serem escritos. Os grandes poetas são frequentadores assíduos deste reino, um lugar que não conhecemos bem, mas do qual podemos ter uma vaga ideia se nos dedicarmos um pouco à leitura da poesia.

O que escrevi pode parecer um tanto poético e romântico, o de se estudar a partir de obras de arte, mas você viu que é possível e, mesmo que não queira entrar nesse mundo de cabeça, um pouco de beleza pode contagiar você e elevar o seu espírito. Muita viagem? Deixe sua opinião nos comentários.

Para acabar o artigo com uma bela mensagem a favor da cultura, gostaria de citar Goethe, que enumera algumas atitudes que deveríamos tomar diariamente:

“Man sollte alle Tage wenigstens ein kleines Lied hören, ein gutes Gedicht lesen, ein treffliches Gemälde sehen und, wenn es möglich zu machen wäre, ein vernünftiges Wort sprechen.”

"Todos os dias deveríamos ler um bom poema, ouvir uma linda canção, contemplar um belo quadro e dizer algumas palavras bonitas".

Que tal? Gostou?

Estou apenas começando a escrever o blog e, para dar continuidade ao projeto, preciso da interação de vocês. Caso tenha gostado dos artigos e dos vídeos do blog, peço que compartilhe com os seus amigos e/ou que deixe um comentário sobre essa dica de estudar idiomas com poesia. O que achou das sugestões?

Um grande abraço e até a próxima!