Quem tem medo de gramática?
Quando começamos a estudar um idioma, buscamos basicamente ganhar vocabulário e aprender as regras gramaticais, para conseguir formas as primeiras frases.
No início, as regras são muito simples, mas depois começam a aparecer as tão temidas exceções e o que era fácil se torna difícil.
Talvez seja este o motivo que leve muitos estudantes a temer a gramática, pelas dificuldades que ela nos traz. Mas de que gramática estamos falando? Você pode estar se perguntando: existem outros tipos de gramática?
É sobre isso que vou escrever neste artigo. Continue acompanhando para entender um pouco mais sobre os tipos de gramática e sobre como um desses tipos pode nos ajudar a falar melhor uma nova língua.
A primeira atitude a tomar é desassociar o medo da gramática e compreender que ela não está relacionada apenas à escrita. É possível aproveitar as suas regras para melhorar nossa oralidade, sem parecer pedante e sem precisar utilizar colocações pronominais como a mesóclise.
1. Os tipos de gramática
Antes de continuarmos, vamos ver os três tipos básicos de gramática. Os dois mais conhecidos são a normativa e a descritiva. A normativa é aquela que já conhecemos muito bem da escola, que tenta nos mostrar como devemos falar, isto é, ditar normas sobre a nossa expressão.
É óbvio que há muitas críticas sobre esta tentativa frustrada de dominar o idioma, mas é importante deixar claro que esse tipo de gramática teve um papel fundamental no estudo de idiomas. Provavelmente, algumas línguas talvez nem tivessem se desenvolvido sem este tipo de trabalho. É preciso um padrão para que todos os falantes possam se entender, caso contrário, cada um falaria a seu modo.
“Mas não é isso que acontece? Cada um fala à sua maneira, não é verdade?” Sim, você tem razão. As variações linguísticas são inúmeras, ainda mais em um país enorme como o Brasil. Apesar disso, um brasileiro do Sul pode entender bem o outro do Norte, porque eles estão falando o mesmo idioma.
Foi pensando nessas variações e nessas peculiaridades que surgiu uma gramática diferente, que não busca estabelecer norma alguma. Esta gramática observa a língua como ela é a descreve. Nada mais do que isso. Daí o nome descritiva. Interessante, não é?
Há, ainda, um terceiro tipo de gramática. E é esta que eu desejo explorar neste artigo: a gramática internalizada. Ela possui vários nomes, mas acredito que este último caiu muito bem, pois é exatamente disso que se trata.
Cada falante do idioma possui uma gramática internalizada, que vai aprendendo em seu dia a dia, com sua família, com sua comunidade. Não é preciso ir à escola e nem muito menos abrir uma gramática, seja ela normativa ou descritiva.
Uma criança, quando começa a aprender a falar, ainda não foi à escola e ainda não sabe ler. Mesmo assim, constrói frases simples, baseadas nos exemplos que ouviu e nas suas experiências de tentativa e erro.
Os erros são naturais. Quando ela percebe que não está sendo entendida, muda a ordem das palavras, muda a palavra, fica muda, mas se comunica. É nesse jogo que vai se formando uma gramática interna, com regras flexíveis e mutáveis.
Falando de forma mais abrangente, se cada falante possui uma gramática internalizada, podemos supor que exista uma gramática internalizada para cada idioma, um conjunto de frases que nos demonstrem a sua estrutura e as suas características.
Vamos ver como ela pode nos ser útil?
2. A utilidade
Estou escrevendo e você está lendo, mas tenha em mente que, a partir de agora, não estou falando de escrita, mas de fala. Exatamente, a gramática – não aquela que pedia para você determinar a classificação de uma oração subordinada na escola – pode servir para desenvolver a nossa expressão oral!
Como já disse anteriormente, a gramática internalizada revela muito da estrutura da língua. E, a partir de uma única estrutura, é possível formar diversas novas frases. Vou mostrar a importância da gramática a partir de uma expressão bem básica: Eu gosto de chocolate.
Eu sei, esta é uma expressão simples, mas ela envolve alguns conceitos gramaticais importantes. No entanto, não vou me alongar nos conceitos. Vou apenas explicitar a estrutura da frase e, aproveitar o momento, para mostrar como a mesma frase funciona em outros seis idiomas.
3. O exemplo
[PT] Eu gosto de chocolate.
Fácil, não é? Mas, imagine: como explicar esse “de” a um estrangeiro? É um conceito chamado regência verbal. Rei de quê? Mesmo dominando esta regra, ainda não seríamos capazes de explicar a necessidade desse elemento estranho a tantas línguas e tão comum para os falantes do português.
[EN] I like chocolate.
Em inglês, a frase é mais direta, não necessita de “de” algum. Essa é uma dificuldade para quem está aprendendo inglês agora. Sem compreender que a gramática do inglês é diferente do português, isto é, sem entender que as estruturas são diferentes, muitos iniciantes buscam traduzir a preposição e acabam dizendo erroneamente “I like of chocolate”.
[DE] Ich mag Schokolade.
O alemão segue a mesma estrutura do inglês, bem direto, sem nenhum elemento atrapalhando a harmonia da frase. São os três elementos essenciais e pronto.
[FR] J’aime le chocolat.
Esta frase também parece ser direta, mas o francês não podia simplificar tanto assim, não é? Em vez de usar o “de”, eu uso o “le”. Quem estuda francês como segunda língua tende a colocar o “de” na frente do “aime”, por influência do português; e quem já estudou inglês antes tenta omitir o “le”. Mas é preciso entender que a estrutura do francês é diferente dos outros dois idiomas e exige esse artigo “le”.
[IT] Mi piace il cioccolato.
Estava indo tudo bem demais… No italiano, o verbo piacere tem uma utilização um tanto especial. Há várias possibilidades, mas ficaremos apenas com esta aqui, a estrutura mais comum. Lembra do artigo “le” do francês? O italiano também usa (il). Além disso, conjuga o verbo de uma forma um tanto diferente dos outros exemplos que vimos.
Um aluno, certa vez, interrompeu minha aula e disse: “Professor, não é tão diferente do português! Podemos dizer, sem problemas, ‘O chocolate me praz’ ”. Eu respondi, perguntando à turma: “Alguém entendeu?” Silêncio… “É… parece que não é tão igual assim.” E continuamos a aula…
[ES] Me gusta el chocolate.
O espanhol possui uma estrutura bem similar a do italiano. Essas coincidências facilitam muito a aprendizagem de um novo idioma. Quando a estrutura é semelhante, basta adquirir o vocabulário necessário para fazer a mesma frase. E, assim como no italiano, quando desejo colocar o “chocolate” no plural, devo mudar também o verbo: “Me gustán los chocolates.”
[JP] Watashi wa chokoreto ga suki desu.
E agora chegamos em um campo em que não há coincidências. O japonês é um idioma que se estrutura basicamente através de partículas, que marcam as funções dos elementos da frase.
Quando eu digo que gosto de algo, devo usar o “ga”; e, para marcar quem gosta, uso o “wa”. Difícil perceber, mas o “gostar” está no final da frase “suki desu”. Na verdade, ele nem é exatamente o nosso “gostar”, seria algo como “é gostável”. Estranho, não é? Mas é assim que o japonês se estrutura.
4. Conclusão
Para fechar o artigo com uma definição de gramática, diria que ela é o conjunto de estruturas que cada língua possui e que permite a formação de um padrão para que todos os seus falantes possam se compreender, apesar das variações existentes.
Cada língua possui uma forma diferente de expressar uma mesma ideia e compreendê-las é essencial para todos os estudantes de idiomas. Não se deve questionar o porquê de determinada forma, mas apenas aceitá-la e utilizá-la.
As variações que fizemos com a frase “Eu gosto de chocolate” demonstra bem essas diferenças e semelhanças entre os idiomas. Pensando dessa forma para outras frases e aplicando essa mesma ideia para outros idiomas, é possível formar um bom repertório de estruturas e melhorar bastante a oralidade.
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